Ritual indígena: Yanomami Reahú, festa da vida-morte-vida

Na terceira apresentação da noite de 2022, o Boi Caprichoso não apenas trouxe o brilho das cores e a magia da festa de Parintins, mas também resgatou a força de rituais ancestrais e profundas tradições indígenas. Um dos momentos mais emocionantes dessa noite foi a homenagem ao ritual Yanomami Reahu, um ritual fúnebre que celebra a transição do falecido para o mundo espiritual e fortalece os laços da comunidade.

Para os Yanomami, o conceito de vida e morte não é linear, mas uma constante renovação e conexão com o mundo espiritual. O Reahu é a cerimônia que se realiza após o falecimento de um membro da comunidade, uma despedida coletiva que ajuda o espírito do falecido a não se prender ao plano terrestre. Esse ritual não é apenas um ato de luto, mas também uma celebração da vida. A imortalização se dá através da ingestão dos ossos do falecido, que são reduzidos a pó e incorporados a um mingau de banana, consumido por toda a aldeia. Assim, o espírito do falecido é perpetuado nas ações diárias e na própria energia de seus parentes.

No palco do Boi Caprichoso, essa tradição foi transmitida com maestria, trazendo à tona a ideia de que a vida e a morte estão intrinsecamente ligadas. O ato de consumir o mingau de banana com os ossos do falecido simboliza a continuidade da existência, transformando a dor da perda em uma celebração da coletividade e da perpetuação do espírito. Na visão Yanomami, a morte não é o fim, mas apenas uma transição para o Hutukara, o lugar onde os espíritos repousam eternamente. O Reahu, então, não é um evento apenas de despedida, mas uma reafirmação da conexão entre os vivos e os mortos.

Esse momento, repleto de fragilidade emocional, é também propenso a ataques de espíritos maléficos, que podem tentar perturbar a paz da aldeia. Por isso, o papel do pajé durante o Reahu é fundamental. Ele conduz a cerimônia com orações e rezas, invocando os espíritos do bem para proteger a comunidade e deixar o ambiente livre de hostilidades espirituais. O pajé atua como um guardião entre os mundos, assegurando que a passagem do falecido para o céu seja tranquila, sem maldições ou interrupções do além. E, assim, o Yanomami pode seguir para o céu, livre de qualquer ameaça espiritual, celebrando a vitória da vida sobre a morte.

O Boi Caprichoso, ao apresentar esse rito no espetáculo, não só prestou uma homenagem à ancestralidade indígena, mas também trouxe um poderoso simbolismo de resistência e renovação. O Reahu ensina que, mesmo nas horas mais sombrias, a vida persiste, pois ela se perpetua na memória coletiva, na união da aldeia e na transformação do sofrimento em força. Ao dançar e cantar em honra a esse ritual, o Boi Caprichoso nos lembrou que, por mais que enfrentemos perdas e desafios, a vida sempre se renova, seja através das gerações que se sucedem, seja pela energia que compartilhamos com aqueles que nos precederam.

O rito Yanomami Reahu, resgatado com tanto respeito e autenticidade, ofereceu ao público uma profunda reflexão sobre a interconexão entre vida, morte e a eternidade do espírito. Na grande festa de Parintins, celebramos não apenas as tradições de nossa terra, mas também as lições de resistência, coletividade e continuidade que elas nos proporcionam. 

Ritual indígena do Boi Caprichoso 2022 na terceira noite. Foto: Divulgação
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